Andou com pressa sem hora marcada para nada. Virou as esquinas             pensando em como era bom virar alguma coisa. Tropeçou num treco             qualquer no meio do caminho e só depois viu não se tratar de uma             pedra. Os jornais que embrulhavam a pessoa deitada anunciavam uma             liquidação imperdível. Ótimo. Tinha mesmo que comprar presentes.             Corra, corra, não perca! Imediatamente, correu, embora não             soubesse o endereço. Passou por uma mulher linda, um homem lindo,             uma criança linda. Pensou: o mundo é bom. E a cidade cintilava com             as luzes extras sem nenhuma beleza nem economia.             
No meio da multidão, esbarrou em alguém que conhecia.             Rapidamente, não se cumprimentaram. Na esquina, desejou felicidades             à mocinha que lhe vendeu um sanduíche. Depois, sentiu, de repente,             uma alegria. Mal podia esperar a noite. Gostava da comilança, da             família reunida. Nessa hora, cresceu um buraco em seu peito que o             fez logo pensar em doenças. Em seguida, imaginou curas. É o susto             do tempo. De tudo parecer a mesma coisa. E é também a dor desse             susto. São as horas corridas que se adiantam tanto, e para quê?             Para todos os anos caírem sempre no mesmo dia. Era o que pensava. Só             esperava que, se alguma vez morresse, fosse quando estivesse muito,             mas muito doente, pois achava morrer saudável um verdadeiro desperdício.             Calculava, no futuro, que seria capaz de saborear cada instante. Em             pequenas ambições, vislumbrava roçar a carne vida.             
Olhando assim, é uma pessoa como outra qualquer. Carregando um             desejo como qualquer outro. Arrastando e alimentando o desejo.             Deixando ele crescer. Invadir o peito, arrepiar os pêlos, subir à             cabeça, desfiar os cabelos. É um perigo querer tanto assim. Talvez             seja a época do ano. Você sabe. Aquela que nos faz gastar o dobro             do dinheiro que temos. Aquela que nos faz pensar neles. No homem que             morreu na cruz e no que anda pelo mundo inteiro, por incrível que             pareça, de trenó. Um teve, no peso de sua dor, a dor de todos. O             outro, velhinho, vive até hoje num lugar muito longe e frio.             Coitados. E ainda têm que agüentar os teus pedidos. Esses desejos             que vocês carregam, arrastam, alimentam. Vejam só:
Carregar - Ato de levar ou conduzir uma carga. Tornar             sombrio, triste. Tornar mais intenso, mais forte. Exercer pressão             sobre.
Arrastar - Ato de levar à força. Mover com dificuldade. Rastejar. Falar morosamente. Atrair, trazer atrás de si.
Alimentar - Dar alimento a. Nutrir, sustentar, conservar. Incitar, incrementar. Manter, prover.
Arrastar - Ato de levar à força. Mover com dificuldade. Rastejar. Falar morosamente. Atrair, trazer atrás de si.
Alimentar - Dar alimento a. Nutrir, sustentar, conservar. Incitar, incrementar. Manter, prover.
Então o homem carregou os presentes até em casa, a mulher             deixou mais forte o tempero da comida, o avô moveu com dificuldade             a própria perna, a avó alimentou as crianças, e a menina comeu             tudo, nutrindo a expectativa de enfim, naquele dia, ganhar um             presente impossível porque era Natal.             
Então o avô conseguiu sustentar com o próprio corpo o peso dos             anos, a mulher falou amorosamente com o marido, o homem exerceu pressão             sobre a esposa, trazendo-a atrás de si até o quarto, a avó             rastejou a história mais comprida para as crianças, e o menino deu             alimento a cada palavra, achando que naquele dia tudo em casa estava             mais calmo e bonito porque era Natal.             
Então a menina sustentou que Papai Noel não existia, o menino             incrementou achando que aquela barba de algodão era mesmo patética             e ridícula, o avô tornou-se sombrio porque perguntava e ninguém             respondia, a avó incitou a filha a cuidar dos filhos e da cozinha,             a mulher entristeceu, pois ela e o marido às vezes não se             entendiam, o homem carregou o medo de perder tudo aquilo que nem             tinha tanta certeza assim de que tinha, e todos prometeram evitar             discussões naquele dia porque era Natal.             
A pele brilhava. Perfeita. Se a levantasse apenas um pouquinho,             encontraria a carne branca e macia. Igualmente perfeita. Nesse             momento, a boca certamente já estaria transbordando de água. Água             de fome e vontade. Uma faca grande e bem afiada faria o corte             preciso. Com muita calma, penetraria nela o garfo de enormes dentes             e a deitaria languidamente no prato. Ao seu lado, para breve             companhia, um pouco de arroz, farofa e maionese. Pronto, perfeito.             Agora, a boca aberta já estaria à espera, assim como todas as glândulas             e todos os dentes. Se houver sorte e dinheiro, 32 inteiros ou             consertados. Mas, antes, outro corte. Menor, mais delicado, mais             sensível. Enfim, o garfo, o pequeno, espetaria a sua pressa na             carne. E a boca ávida, como em nenhum outro dia, engoliria tudo. Ao             seu lado, em silêncio, a sua mulher fazia o mesmo. Ao lado dela,             fazia o mesmo a sua filha. E o filho. Na outra ponta, o seu pai, mãe,             e pai e mãe dela. Na casa vizinha, dava para ouvir o mesmo. E o             mesmo, o mesmo. Alguém riu, todos riram. Alguém disse Feliz Natal,             todos repetiram. Alguém estendeu um presente, todos estenderam.             Alguém anunciou que ia dormir, dormiram. E o céu deste mundo             brilhava, sem reluzir nenhuma estrela, apesar de ser Natal .

 
